A prática de se fazer um jornal instintivo
Em seu livro intitulado “A Arte de fazer um jornal diário” (Contexto, 2003), o jornalista Ricardo Noblat escreve que “a missão do jornalista é informar, ou melhor, contar histórias”. Noblat foi durante vários anos chefe de redação do jornal Correio Braziliense e tem um dos blogs jornalísticos mais acessados e mais confiáveis da Internet brasileira. Neste mesmo livro, o autor defende a tese de que para se fazer uma boa matéria é necessário aos repórteres que dêem mais atenção à forma e ao conteúdo do texto ao espaço e a repercussão que a matéria eventualmente terá na página do jornal. No entanto, falta ao livro de Noblat, esclarecer melhor como se produz um material que possa estar pautado nessas premissas.
Um livro que certamente pode servir como auxílio a essas perguntas é o da, também jornalista, Elvira Lobato, que recebe o título de “Instinto de Repórter” (Publifolha, 2004). Elvira é formada em jornalismo pela UFRJ e, ainda na faculdade, começou a trabalhar nas redações do Jornal do Brasil e do Jornal Opinião. Neste livro, ela traça um roteiro de produção das principais reportagens que fez para a Folha de S. Paulo, jornal onde ela trabalha desde 1984.
Como ela própria diz sobre o livro, “ele é voltado para os jonvens que se preparam para entrar no mercado de trabalho e para os não tão jovens que, como eu (ela), são apaixonados pela profissão”. Neste livro ela descreve como foram produzidas 11 reportagens de sua carreira naquele jornal “levando em conta o grau de dificuldade da apuração e a diversidade de métodos usados para a comprovação dos fatos”.
Ali ela conta como a pesquisa e o interesse do repórter são importantes para a obtenção de certas informações que com certeza poderiam passar despercebidas pelos jornalistas no dia-a-dia das redações. Fala também dos subterfúgios, algumas vezes ilegais, que alguns precisam usar para confirmar a veracidade de uma informação. Entre eles está um dos mais controversos no meio jornalístico: o uso de gravações nas quais o repórter se apresenta com falsa identidade para a fonte.
Ela defende que estes e outros métodos sejam utilizados. Contudo, diz também que é preciso ter cautela quando da escolha desses. Ela propõe um questionamento que alguns jornalistas deveriam considerar antes de aderirem a estas formas de se conseguir uma informação: “o assunto é de interesse público? É jornalísticamente importante? A sociedade ganhará com a revelação desse fato?”. Ainda segundo a autora, caso as respostas sejam afirmativas, ela continua a produção da matéria. Entretanto, pelo que segue no livro, as respostas a estas três perguntas são completamente subjetivas e fica a cargo de cada um decide a seu próprio critério a positividade ou negatividade das respostas a estas perguntas.
Em outro capítulo, ela descreve como foi a descoberta de que o então candidato à presidência, Fernando Collor de Melo, teria usado “mão-de-obra” do estado de Alagoas em sua campanha eleitoral, rumo ao palácio do Planalto. Ali ela conta como as divergências políticas entre as pessoas, facilitaram para que ela confirmasse às acusações. A bancada oposicionista ao partido de Collor, que havia se licenciado do cargo de governador daquele estado, conseguiu diversos documentos que comprovariam o delito.
Outra coisa interessante do livro de Elvira Lobato é que ao final da descrição de como foi produzir cada uma das matérias, a autora coloca os textos que foram publicados à época e, também, outros relativos à repercussão daquela notícia, dando ao leitor uma idéia do que aconteceu com o material que foi exposto no jornal.
No fundo, “Instinto de Repórter” é quase uma aula prática do chamado jornalismo investigativo (ainda que como Elvira Lobato, este autor tenha controvérsias quanto a esta expressão), no sentido em que esmiúça a cobertura de várias matérias sob diferentes formas de apuração. É, portanto, uma leitura complementar a textos como o de Noblat, que ainda que tenham muito conteúdo, às vezes se perdem um pouco devido à paixão pela profissão e deixam, em alguns momentos os leitores (especialmente os aspirantes a jornalistas como este que aqui escreve), reféns de um pouco mais de detalhes de como se dá a prática jornalística na rua.
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