28 de maio de 2007

O eco da história

A voz que há 11 anos foi a forma de contestar ecoa até hoje na história da política brasileira. O livro 10 reportagens que abalaram a ditadura é uma obra-prima e prova concreta de que o jornalismo tem seu dever social, investigativo e enunciativo. Os trabalhos reunidos no livro foram resgatados de arquivos de jornais e revistas e trazidos de uma época em que a prática jornalística tinha que ter a audácia e a inteligência de driblar os pilares da censura, rígida e inflexível. Nomes como Ricardo Kotscho, Mylton Severiano, Marcos Sá Corrêa, Luiz Cláudio Cunha, José Carlos de Assis, Eurico Andrade, entre outros, figuram entre os profissionais responsáveis pelas reportagens.
Um período de sofrimento, de abuso de poder e de torturas. Mas apesar de você, amanhã há de ser outro dia, canta Chico. E o jornalismo, com toda certeza, foi arma fundamental para as mudanças. Todas as denúncias se refletem nas palavras e nas entrelinhas de cada apuração jornalística que compõe o livro. Muitos dos textos apresentam sátiras e ironias para levar a mensagem exata ao leitor, de forma provocativa e instigante. Um exemplo disso é a reportagem Mordomias, de Kotscho, em que o jornalista escancara os benefícios de que dispunham os funcionários do governo desde o mandato de Geisel. Foi um avanço marcante para o jornalismo tornar públicos fatos que, mesmo antes da ditadura, não eram de conhecimento da população.
Outra reportagem que merece ser citada é a que trata da morte do jornalista Vladimir Herzog. Em referência ao título de uma obra de Capote (A sangue frio), sob o nome A sangue quente, Mylton Severiano transparece todo o sofrimento e a mobilização da família, dos amigos e colegas de trabalho de Vlado depois do ocorrido. O fato foi uma surpresa desagradável a todos, que contavam com o retorno de Vladimir, mesmo porque ele cumpriu as ordens e se apresentou à polícia. O texto apresenta várias versões do fato e consiste em uma investigação completa, deixando claro que a hipótese mais provável é de que o suicídio tenha sido uma mentira das autoridades.
A ditadura, ao que parece, acabou, mas alguns temas abordados podem ser trazidos para a atualidade. A fome e a falta de prudência por parte de algumas autoridades são pautas que podem e devem permanecer em discussão. O jornalismo deve atentar mais para questões sociais. Se antes a censura ficava por conta dos militares, hoje o que se percebe é que os próprios veículos de comunicação fazem uma espécie de auto-censura, priorizando interesses e a comercialização da informação.
A voz precisa continuar ecoando. E fazendo efeito. 10 reportagens que abalaram a ditadura é um livro organizado por Fernando Molica, o primeiro da série Jornalismo Investigativo; Editora Record.

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