24 de novembro de 2007


Driin
Quando cheguei à Udesc não sabia quem era o entrevistado. Conhecia-o apenas “verbalmente”, pelo telefone. Liguei, ele disse que nos encontrávamos no hall do bloco amarelo. Perguntei à recepcionista onde era e fui. Havia algumas pessoas ali. Mas nenhuma era ele. Vejo um rapaz colando um cartaz, baixo, barba por fazer, all-star mais usado que o meu. “Pedro”, digo; ele olha para trás, sorri e me cumprimenta. Feitas as apresentações, vamos até a rua, de fronte a um prédio novinho – e branco. Será pintado pelas pessoas que participarão duma oficina que começará dali a alguns minutos, descubro. Antes, contudo, à entrevista.
Pedro Teixeira é designer, tatuador e grafiteiro. Nos muros seu nome é Driin, "é como o manezinho fala, Pedrin isso, Pedrin aquilo". Entrega-me um convite de exposição que fará com outros artistas – também entrega-os a algumas meninas que passam próximo a nós. –Você é bem comunicativo né?- pergunto. –Não, sou tímido para caramba-. –Não parece, foi entregar os convites para as meninas, e para aquelas quando viemos para cá-. –Ah, mas aqui eu estou em casa, passei sete anos nesse lugar-.
-Como é seu trabalho?- começo. Ele diz que o grafite é um vandalismo que adquiriu um status de arte, foi parar nas galerias. Todo mundo precisa trabalhar, pagar contas, se o artista pode fazer o que gosta e conseguir seu sustento, melhor do que fazer outra coisa. Conta que pinta em telas, interiores, trabalhos comerciais. Porém a maioria, e o que ele mais gosta, são as pinturas na rua. “O grafite tem que ir para galeria, mas não pode perder a realidade da rua, que é sua origem” explica. Indago se trabalhos como o dele ajudam na mudança da imagem do ‘pichador vândalo’ para um artista. Responde-me que o vandalismo é uma questão de valores. Para ele vandalismo é quando se pinta sem autorização. Todo dia somos obrigados a ver montes de anúncios sem estar com vontade, e isso pode porque é pago, está no jogo do mercado. O grafite não pode porque então, por que não rola grana? E, acrescenta, há tanta gente fazendo coisa pior, ali é só tinta.
Por sinal, a grana é curta. Como geralmente não recebe nada, Driin trabalha sempre no limite, usa tinta látex, rolinho, pega sprays emprestados, dá um jeito. O melhor, contudo, está nas latinhas: “o spray é ágil, dá todos os efeitos” explica. “Os desenhos são as pessoas da cidade se comunicando” opina, enquanto meche os braços tatuados – nos pulsos lê-se “luz” e “arte”. Se o clima é caótico, o desenho é caótico; se é bom, o desenho é leve. É esse clima que ele tenta exprimir, como a pintura ao lado da Catedral Metropolitana de Florianópolis, que está nessa página. “Tem que pensar nas meninas bonitas, e aí faz o desenho”.
Pedro grafita há dois anos, e além de tatuar e pintar também participa de oficinas para jovens carentes. A primeira foi no projeto Aroeira, agora está no centro cultural Escrava Anastácia, no morro da Caixa, centro de Florianópolis. “Com o grafite eles aprendem a projetar, dar seqüência aos trabalhos. Também desenvolve identidade, auto-estima, trabalho em grupo, criatividade”. Além disso, como no seu surgimento –quando jovens saiam dos guetos estadounidenses para deixar sua marca nas regiões ricas, dizendo “hey, estou aqui”- o grafite dá voz a quem não tem. Nobre tarefa.

23 de novembro de 2007

O vôo das borboletas



Até aquele dia éramos, todos, larvas em ovos, presos dentro das paredes da sala de aula. Nenhum de nós tivera experiência parecida. Era nosso primeiro desafio diante de uma grande reportagem. O local e o tema escolhidos ainda eram estranhos à maioria dos colegas. Eu era um dos poucos que sabiam em que tipo de terreno entrávamos. Como toda vida que acaba de nascer, estávamos confusos com o mundo que se abria diante de nossas pupilas ainda dilatadas com os primeiros sinais de luz daquela manhã.

Mesmo cursando a sexta fase de jornalismo, a insegurança ainda persistia em muitos de nós. Aliás, este é um defeito não só das escolas, mas do jornalismo de modo geral. O contato humano tem perdido espaço dentro das redações. No seu lugar, pessoas presas em suas mesas, telefones, e-mails. Não se fala mais com as pessoas diretamente, algo que deveria ser uma premissa da profissão. Os jornalistas, que antes agiam como borboletas, voando em busca de novas flores, atrás de uma boa história para contar, hoje têm as suas asas cortadas no nascimento e não conhecem mais o doce pólen que está em cada rosto, nas ruas.

Dia 19 de outubro. Era a primeira vez que íamos ao Centro Educacional Dom Jayme de Barros Câmara. Um veículo da universidade estava alocado para levar todos até o local, mas a reserva foi cancelada na véspera. Por sorte, como vários de nós estavam de carro, nos dividimos em quatro grupos e fomos.

Eu fui com Juliana Louzeiro, formanda de Psicologia. Ela nos auxiliou no contato com as crianças e com a diretoria do Dom Jayme. Ouvíamos música. Para meus ouvidos, a palavra música, nesse caso, deveria vir com aspas. Mas resisti à tentação para não me indispor com a moça. Juliana ajuda a coordenar o núcleo de estudos do curso que cuida de questões comuns ao tema deste jornal. Está usando a experiência obtida na parceria entre o Curso de Psicologia e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil para produzir seu trabalho de conclusão de curso.

Ao chegarmos, confirmei que a realidade avaliada em três reuniões na sala de aula, preparativas à vivência, realmente era familiar à minha história. Minha mãe foi professora, durante quase 20 anos, em uma escola pública no Bairro Forquilhinhas, em São José. Só estudei lá por seis meses, mas acabei crescendo próximo àquele mundo, tanto da escola, quanto do bairro pobre e violento. Descemos do carro e cumprimentamos a coordenadora do Centro Educacional, Maria Samira Savi Pini. Ela nos levou a uma sala, onde conhecemos alguns dos personagens que o leitor encontrará nas páginas do Jornal Laboratório Fato & Versão.

O clima entre nós e as crianças ainda era pesado. Nós acabáramos de romper o ovo e, larvas jovens como éramos, até aquele instante, sequer conseguíamos nos integrar às crianças. Raquel Wandelli, nossa professora de Redação 3, nos ajudou a quebrar o gelo. Gravamos depoimentos sobre nossas expectativas para o futuro - algo do tipo: "o que eu quero ser quando crescer". Uma de minhas colegas, Tainá, pegou a deixa e continuou a brincadeira.

Devido à um problema com a preparação do material que nos apresentaria, Liane Vaz chegou ao Dom Jayme com quase uma hora de atraso. Ela faz parte do Fórum Estadual para Erradicação do Trabalho Infantil em Santa Catarina. Durante quase duas horas, discursou sobre o tema para nós, as crianças e os professores que ocupavam a sala. Em alguns momentos, o coração de todos era tocado por relatos que escapavam dos lábios das crianças, como o do menino que falou de uma prima pré-adolescente que cuidava, sozinha, de mais dois irmãos. Liane tentou abrir a percepção daquelas crianças sobre determinadas atividades às quais estavam expostas que eram formas disfarçadas de trabalho infantil. Ao final, foi a vez de Eliane Roque, do Fórum Catarinense de Exploração Sexual Infanto-Juvenil, dar um depoimento contundente, direto e emocionado.

Alguns de nós saíram da instituição próximo ao meio-dia - a previsão inicial era 11h. Ficou a promessa do retorno dentro de uma semana para conhecermos algumas das atividades do centro e, efetivamente, fazer as reportagens. Mas o que se passou naquelas horas já deixou marcas que levaríamos ao nosso próximo estágio de desenvolvimento. Histórias tristes, de trabalho pesado, de vida difícil, pobre, de fome e de miséria escondiam-se atrás de sorrisos abertos, olhos que ainda brilhavam e reluziam esperança. Já havíamos recebido nossa missão. Precisávamos contar essas histórias aos nossos leitores. Fomos à pupa, nossa próxima fase de evolução, sabendo que a tarefa de crescer, naquele momento, não seria fácil.

Abro aqui uma pausa para contar algo inusitado antes da nossa segunda visita ao D. Jayme: a minha volta até a Unisul. Eu, Carmine e Lisandra retornamos de carona com nossa professora. A excitação e a ansiedade pelas declarações que ouvíramos minutos antes a fez esquecer as regras de trânsito. "Lombada!", eu avisei, mas ela não viu e tocou direto. "Aqui você pára", tentei, sem sucesso, lembrar. Mas as placas vermelhas pareciam não ter significado. Acredito que ela não dirija sempre desta forma, mas, sem dúvida, a emoção tomou conta das decisões dela ao volante naquele dia. Em certo momento, Carmine segurou em minha mão e revelou: "Samuka, eu to com medo." Tendo este relato em mãos, o leitor pode deduzir que o final da história foi feliz e saímos todos ilesos.

Dia 19 de Outubro. Ainda éramos pupas ao sair da universidade. Não havíamos quebrado o casulo que nos aprisionava há uma semana. Dessa vez, não cancelaram nosso transporte. Fomos todos em uma van até o Centro Educacional. Era agora ou nunca. As borboletas tinham que voar. A programação do dia inclua um tour pela instituição. O propósito era conhecer os trabalhos desenvolvidos para ocupar o tempo das crianças e adolescentes, teoricamente, tirando-as do trabalho.

Não éramos os únicos que já se sentiram presos naquele lugar. Quando da fundação, o Dom Jayme era uma espécie de orfanato. Fazia parte da Fundação Catarinense do Bem-Estar do Menor (Fucabem). No entanto, os internos estudavam junto com crianças da comunidade local e, em alguns finais de semana, saíam para brincar fora do centro.

A primeira atividade que presenciamos foi a aula de dança, da qual participavam algumas meninas. Naquela pequena construção, todos perceberam que as pupas estavam se mexendo. Por mais incrível que possa parecer, a música de Wanessa Camargo e os movimentos das meninas no ritmo das notas que saíam do pequeno aparelho de som nos sensibilizaram. Logo depois foi a vez da aula de Tae-Kwon-Do. A disciplina dos meninos e os golpes que davam no ar pareciam bater diretamente nos casulos, ajudando as borboletas a se libertarem.

Caminhamos para ver a cozinha, na qual as crianças tinham aula de panificação. Ali as primeiras borboletas começaram a aparecer. O sabor das broas de amendoim que os alunos estavam fazendo adoçou o coração de alguns de nós. Depois foi a vez de vermos algumas oficinas de arte. As peças coloridas chamaram a atenção das borboletas, que romperam definitivamente seus casulos e foram atrás das peças mais parecidas com as cores de suas asas.

A partir daquele momento, todos já haviam escolhido os protagonistas das histórias que iriam contar, direcionado suas pautas e, principalmente, se transformado em borboletas. O passeio continuou. Fomos até o ginásio, que estava vazio, e depois cada um foi fazer o trabalho que lhe foi confiado.

A manhã passou rápido naquele dia. Não foi suficiente para que todos pudessem terminar as matérias que lhes foram delegadas. Alguns, como eu, retornaram ao Dom Jayme, fosse para trazer à memória tempos passados ou, simplesmente, completar o trabalho. No entanto, no momento da volta à faculdade, algo foi possível perceber nos olhos de todos. As borboletas, naquele dia, enfim, aprenderam a voar.

8 de novembro de 2007

Tarde de terça-feira, duas e vinte da tarde. Sol, rua Felipe Schmidt, centro da cidade. De repente ouço umas pessoas dizendo “corre”, “pega ladrão”. Logo forma-se um bolinho, em frente a uma loja de telefones celulares. Vou até o local, aos poucos tento furar a barreira humana ávida por desgraça alheia. Quando consigo ver, a cena é deprimente. Um homem, negro, cabelo desgrenhado, desses que aparenta ter o dobro da idade. Chuto uns 40 anos. Roupas sujas, chinelo velho, está deitado de barriga para o chão. Montado sobre ele um pm, galego, óculos escuros, segurando com força as algemas que prendem o outro pelo dedão – é um modelo pior que a convencional, para quem está preso. Confesso, fiquei chocado. O roubão –chamarei assim – argumentava que se o policial apertasse mais quebraria seus dedos. A figura dele dava pena, era um fudido ao qual provavelmente nenhuma outra chance foi dada. Não estou defendendo-o, se me roubassem eu também gostaria que pegassem quem o tivesse feito. Nesse caso, contudo, acho sim - sem balela – que o cara não tinha nem o que comer. Ninguém que está lendo isso sabe o que é passar fome, ver um filho chorar por não ter de comer.

Ficam ali uns 5 minutos. As pessoas ao redor tecem comentários, todos do tipo “é homem pra roubar, quero ver se é homem agora”, ou “dá uma coça que ele fica um tempo sem incomodar”. Quase tremi diante daquela cena, aquele ser humano degradado e marginalizado, excluído por nós, “classe média consciente”, que tem compaixão por um cão e tropeça num sem-teto, com chance de reclamar por ele estar ali. Dali a pouco chega um cara correndo, camisa e calção, gordo com bigode, pedindo licença. Pelo que entendi é o roubado. Pega suas coisas no chão, carteira, documentos e um boné. Ajuda o pm a levar o roubão, todavia não vi para onde. Estava empolgado com o ótimo texto que poderia fazer, entrei na Catarinense; pedi um cappuccino e comecei a escrever.

Que merda, que imprensa de bosta essa. O que eu devia ter feito? Ido atrás, falar com as pessoas (principalmente o roubão), saber de onde veio, por que estava ali? Acho que é isso que os manuais recomendam. Mas, e daí? No fim das contas estou, de um jeito ou de outro, aproveitando da desgraça do coitado para conseguir algo pessoal – minha matéria. No fim é tudo interesse próprio, eu vou dormir com um belo texto feito, você leitor deita e dorme, o cara deve ter apanhado um bocado na delegacia e fica tudo igual. Não muda nada, absolutamente nada. Cansei dessa profisão de merda que sobrevive às custas da desgraça alheia, dessa, hipocrisia toda. Não tem solução.

7 de novembro de 2007

Vozes do Aroeira



Segunda-feira, 17 de setembro de 2007. Mais um dia, mais um trabalho, mais uma história. O lugar é o mesmo onde, outrora, a morte era analisada; hoje, é o endereço de projetos incumbidos de impulsionar vidas. Até 2005, na Rua Tolentino de Carvalho, o prédio de número 01 correspondia ao Instituto Médico Legal, no bairro Estreito, Florianópolis. A partir de junho daquele ano, o Governo do Estado de Santa Catarina cedeu o lugar por um prazo de dez anos à Incubadora Popular de Cooperativas.
Do convênio com o Consórcio Social da Juventude se mantém o Aroeira, que existe desde 1994. Os consórcios são uma forma de atuação do Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego, do Governo Federal. O Aroeira conseguiu ser o vencedor da licitação no Estado de Santa Catarina durante dois anos consecutivos. Existem, agora, expectativas para que o ano que vem seja o terceiro. Junior, coordenador do projeto, diz que mais de mil jovens com idade entre 16 e 24 anos participam do Aroeira. “São todos de comunidades carentes e o nosso objetivo é afastá-los da criminalidade através das oficinas e atividades que promovemos aqui no centro”, explica.
No prédio do IPC são muitas as salas em que os jovens exercem atividades.

- Há dois anos, no Aroeira 1, nossa preocupação era emergencial. Precisávamos realizar um trabalho rápido de resgate dos jovens. Tínhamos atividades relacionadas ao meio ambiente, à informática, à cidadania e à escolaridade - disse Junior.

Hoje, as oficinas dos primeiros anos de organização se tornaram cooperativas. As principais são: Soluções em Informática, a Cooperfloripa – responsável pela marca Solto Surf Wear, Estética Afro, Papel Reciclado, Marcenaria é Arte e Gastronomia e Panificação.
Para quem está na sala de recepção, o ar traz o cheirinho do pão que está no forno. - - O que produzimos aqui volta para as comunidades. Fornecemos, por exemplo, pão e pranchas de surf em quantidades significativas por um preço mais acessível aos bairros carentes ou trocamos por outra mercadoria - conta o coordenador. De acordo com Junior, isso tem sido um motivo de interação entre comunidades que, antes, eram rivais, contribuindo para um melhor relacionamento entre os habitantes.
No meio da conversa, a pauta do dia é redirecionada. Depois do panorama geral do projeto, Junior conta que um grupo de meninos, contemplado pelas oficinas dos primeiros Aroeiras, está prestes a gravar um Cd.

- Eles participaram de aulas de manutenção de instrumentos e acabaram montando um grupo de percussão.


Milhões de pessoas, milhares de barracos, feitos de madeiras ou tijolos, mas parecem inacabados. Meio metro separa uma casa da outra. De fundo toca essa base que pela burguesia é discriminada. Eu conheço. Tenho orgulho, bate no peito, essa música vem do gueto. A situação é ruim, mas ninguém se alarma. Então, acima do subsídio, eu me dedico a fazer esse relato, esse desabafo. A voz do excluído chegou. MNP: Movimento Negro Periférico.

- Os guris têm talento de sobra, só faltam oportunidades. – deixou claro o professor Nicolas Malhomme, que leciona teoria musical – O grupo tem nome: Os Khentes. Nome bonito, não é?

Nicolas toca bateria desde os 17 anos na periferia Sul de Paris, França, onde nasceu. Passou, então a se interessar por percussão afro-cubana, africana e afro-brasileira. Quando veio ao Brasil, foi integrante do Maracatu Nação Pernambuco de Olinda durante 5 anos. Chegou a Florianópolis em 1996, e já tocou com bandas locais e escolas de samba. Hoje, é integrante da banda Expedição. De acordo com Nicolas, o preconceito ainda é uma barreira para a capacidade dos meninos.

- Eu estou bem feliz em poder ajudá-los. Força de vontade eles já tem. É só um empurrãozinho que eles vão, estás entendendo? A idéia é eles poderem caminhar com as próprias pernas o mais rápido possível. É verdade, também, que existe um certo preconceito por eles virem das periferias, dos morros. Isso dificulta bastante. Por isso, acho que gravar é uma maneira mais rápida e eficaz de eles divulgarem o trabalho e conseguirem oportunidades como músicos – opinou.

Terça-feira, 23 de outubro de 2007.

Mais uma vez, o destino era o IPC, no Estreito. Por volta das 14h cheguei ao local e a Rose foi comunicar os 4 integrantes do grupo de percussão Os Khentes. Findas as apresentações, seguimos para a sala de música. Fechamos uma roda com as cadeiras e começamos o descobrimento.
Eles querem montar uma escola de música, já que os outros projetos terminaram na formação de cooperativas. Guilherme de Souza Pereira, 17, era o mais desinibido, no começo. Ele quer ser rico para poder fechar um clube e promover o evento que já tem nome: Talentos Anônimos.

- Viver de música aqui no Sul é foda -, disse Guilherme - Sou fã do Odilon! Pode anotar aí. Um dia quero ser que nem ele e escrever um livro sobre baterias de escola de samba. Ele é o mestre de bateria da Grande Rio!

Desde pequeno, Guilherme observava o tio, que passava pela rua com um pandeiro em mãos, quando ficava na casa da avó. Ele, então, quis aprender a tocar. O interesse pela música não ficou mais de lado. Hoje, faz parte da banda Fascinasamba. Contou toda a trajetória da união, desde a época em que participaram das oficinas de manutenção de instrumentos e do despertar da curiosidade pela percussão. Depois do Aroeira 1, permaneceram como monitores e deram cursos aos jovens do Aroeira 2.
Não são todos os integrantes que acompanham o projeto desde o seu início. Djavan Nascimento Costa, que completou 21 anos no dia 26 de outubro e Ângelo Luis Carvalho, 23, entraram mais tarde. Aos poucos, o desembaraço mostrou-se nos risos incontidos e nas constantes brincadeiras que, antes de me divertirem, quase me fizeram imaginar que eles não estivessem me levando a sério. Djavan parecia envergonhado:

- Daqui a pouco ela vai achar que é tudo brincadeira!

As músicas são escritas por ele, que pensa em fazer faculdade de música e de letras. A coincidência não está só no nome, mas também na afinidade musical: ele diz gostar das músicas do artista de quem tem o mesmo nome. Djavan diz se inspirar no que pensa sobre tudo, desde o funcionamento da sociedade até uma briga entre irmãos.

O cara já tá eleito, não tem jeito
Acostumaram
Faz parte, as promessas são onipresentes
E nós todos somos oniscientes
Pois o relato nasce pra isso
Soa nato
Não vou deixar me levar de novo, não
O sistema não vai me pegar
Eu represento a sigla do morro MNP
Movimento Negro Periférico

Ângelo também esteve em contato com a música desde pequeno. O pai toca violão e o irmão mais velho tem deficiência na visão e é cantor de rap. Com Rajan Gonçalves, 17, não é diferente:

- Tu nasce escutando, nasce no meio do pagode, ouve, gosta e acaba aprendendo.

O nome do grupo vem de uma expressão que todos eles costumam usar.

- É de tanto falar “eu sou quente, irmão...tu sabe que sou quente”. Aí precisava de um nome e decidimos assim – explicou Guilherme.


- É! Só reformulamos pra ficar mais louco – interrompeu Djavan.

- Mais louco por quê? Por causa da escrita? – perguntei.

- Sim! Pra ficar diferente, ficar mais pá... – respondeu, sorrindo.

Nicolas entrou à sala enquanto fazíamos algumas fotos. Contou um episódio que não deixou os meninos contentes.

- Eu estava procurando Cds de rap, e não encontrei em loja nenhuma! Perguntei pra um vendedor e ele me disse que se trazem esse tipo de Cd pras lojas, vai ter gente que vai entrar lá pra roubar – falou o professor.

- Não quero ganhar dinheiro com essas lojas, não! Nosso Cd não vai pra lugar assim – adiantou Djavan.

Você diz que nós não temos motivos pra se revoltar
Na moral vocês não sabem o que temos que passar
Pra botar rango na mesa
Ser um mano firmeza e não deixar a família
Passar necessidade
Você não conhece a dura realidade


Mal saiu do estúdio, o Cd foi deixado em minhas mãos. As gravações contaram com a participação de duas primas de Djavan, Clarisse e Bruna. O Cd de samba e percussão está em fase de produção ainda.

Arielli Secco

Uma observação.
Desisto de tentar colocar parágrafos no texto.

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