17 de fevereiro de 2007

A festa da carne
Finalmente é carnaval. Pessoas nas ruas cantando e dançando. Homens vestidos de mulher e mulheres vestidas de homens. Observo a tudo e sinto que por um momento os problemas acabaram. No outro lado da rua um homem indiferente a festa dos foliões procura latas vazias de cerveja e refrigerante. Em seus olhos é possível ver a soma dos centavos a cada nova aquisição. Nenhum dos presentes o nota. A festa continua. O som alto de um carro na rua embala cada passo das pessoas fantasiadas, cada gota de suor que escorre do rosto de quase todos que ali estão.

Um momento! Chega uma criança. Suas roupas rasgadas lembram aqueles refugiados de guerra que nós vimos na televisão outro dia. Ele carrega um saco maior que ele. Será que está pesado? Não parece. De repente ouve-se o menino gritar. Ele tropeçou. O saco vermelho, que lembrava o do Papai Noel arrebenta. Ele chora ao ver as garrafas plásticas rolarem pela ladeira. Todo um dia de trabalho está correndo na mesma velocidade das fantasias que se esbarram na rua apertada. Um olhar de ódio persegue o garoto. O homem das latinhas corre atrás dele. Deve ser seu pai, irado com a criança que não cumpriu o seu dever hoje.
A festa da carne tem a sua continuidade. Como doem os tapas que o menino leva. Por que ele não viu o buraco? Todos pulam, cantam e o menino chora. Ele sabe que ao chegar em casa não vai poder comer. Os quinze reais que se esvaíram pela ladeira iriam juntar-se aos 20 que o homem mais velho levava e comprariam a comida para suas quatro irmãs menores. Nesta rua, apenas os dois entendem a festa da carne de uma maneira diferente. Hoje eles não têm esta festa. Com muita sorte terão a festa do arroz branco com caldo de feijão. E a música que toca? Alguém aqui realmente está ouvindo? Os lamentos do menino soam como uma guitarra em meio a barulheira dos batuques que seguem dentro do carro com som alto.
É carnaval. Esperamos um ano inteiro por isso. Então vamos comemorar. Nossa tristeza, nossa pobreza, nestes quatro dias não iremos lembrar. Atrás do bloco dos sujos do trio elétrico ou na avenida com muito samba a tocar.

8 de fevereiro de 2007



Perto de duas da tarde,já achei que voltaria para casa.Contudo quando o ônibus pegou a Beira-Mar,na frente do CTC,pude ver o movimento.Saltei no próximo ponto,mas não juntei-me imediatamente.Primeiro analisei a situação,não mais de 60 pessoas cantando músicas anti-aumento.Era para ser um protesto contra a restrição do meio passe,porém tal medida já foi abandonada.Ficou então sendo contra o aumento iminente das tarifas,de R$ 1,80 para 1,90 no cartão e de R$ 2,10 para 2,40 em dinheiro.Apenas o fato da mesma viagem ter dois preços já é absurdo,mas essa é outra discussão.Quase deu vergonha,depois de tudo que já vi,um troço tão sem graça.Na minha opinião tanto o local quanto o horário foram pessimamente escolhidos. De qualquer forma vou atrás.

Caminham até o interior do CTC,com gritos conclamando os estudantes a protestar contra o aumento.O máximo que vejo são portas sendo fechadas.O CCS é o próximo alvo.Tenho a impressão que alguns idiotas sentados no bar riem de nós.Provavelmente vão para aula de Audi e estão cagando para aumento de tarifa.No interior do prédio algumas meninas cantam junto,todavia não há adesão.Até agora só o que fazem é cantar.De volta à rua,imagino não saberem aonde ir,alguns sugerem DCE,outros reitoria,outros Titri.Há certa divergência.Bem sem graça isso,ficar berrando na federal,ninguém vê,não acontece porra nenhuma.Acabam indo para o ponto perto da biblioteca.Numa mini assembéia,fica decidido que nosso destino é o Titri.

Demora uma porção para passar um ônibus que vá para o local escolhido,aparece a suspeita de que os carros estão pulando o ponto onde nos encontramos.Aparece um Santa Mônica,quase vazio.É esse mesmo.Nunca participei dum “catracasso”,deve ser interessante.Dois seguram as portas traseiras do veículo e a estudantada entra.Não há tempo para pensar muito,acompanho o fluxo e logo vejo-me sentado.O ônibus é quase todo nosso.Na frente da antiga Santa Fé um discurso explica a motorista,cobrador e demais passageiros que os estudantes estão lutando contra os empresários.Também que o aumento será justificado pelo aumento do salário dos funcionários das empresas de transporte,algo absurdo.E estamos do mesmo lado que eles.Segue uma salva de palmas para cada um.Gostei disso.Um dos cantos é “trabalhador é meu amigo/mexeu com ele mexeu comigo”.

Em todas as paradas o procedimento é o mesmo.As portas de trás são seguras enquanto chamam os citadinos para entrar sem pagar.A maioria paga,parece ter medo de apoiar os manifestantes.Entretanto,principalmente quando são poucos no ponto,algumas pessoas entram.Quando isso acontece todos festejam,é o passe-livre para população.O trajeto é seguinte:Santa Mônica,depois passa pela Udesc,vai por detrás do cemitério,passa por cima do viaduto de João Paulo,pega a 401 e volta para o Titri.A viagem inteira é marcada por cantorias.Chegando no nosso destino,novamente a situação é explicada e repetem-se as palmas para motorista e cobrador.

Descem do busão cantando,por alguns instantes ficam juntos dentro do terminal.Depois cada um toma seu rumo,pego um Titri/Ticen direto.Sem dúvida valeu ter vindo,e a iniciativa do “catracasso” pareceu-me bastante positiva.Apesar do parco número de participantes,foi uma ação deveras proveitosa.
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