8 de novembro de 2007

Tarde de terça-feira, duas e vinte da tarde. Sol, rua Felipe Schmidt, centro da cidade. De repente ouço umas pessoas dizendo “corre”, “pega ladrão”. Logo forma-se um bolinho, em frente a uma loja de telefones celulares. Vou até o local, aos poucos tento furar a barreira humana ávida por desgraça alheia. Quando consigo ver, a cena é deprimente. Um homem, negro, cabelo desgrenhado, desses que aparenta ter o dobro da idade. Chuto uns 40 anos. Roupas sujas, chinelo velho, está deitado de barriga para o chão. Montado sobre ele um pm, galego, óculos escuros, segurando com força as algemas que prendem o outro pelo dedão – é um modelo pior que a convencional, para quem está preso. Confesso, fiquei chocado. O roubão –chamarei assim – argumentava que se o policial apertasse mais quebraria seus dedos. A figura dele dava pena, era um fudido ao qual provavelmente nenhuma outra chance foi dada. Não estou defendendo-o, se me roubassem eu também gostaria que pegassem quem o tivesse feito. Nesse caso, contudo, acho sim - sem balela – que o cara não tinha nem o que comer. Ninguém que está lendo isso sabe o que é passar fome, ver um filho chorar por não ter de comer.

Ficam ali uns 5 minutos. As pessoas ao redor tecem comentários, todos do tipo “é homem pra roubar, quero ver se é homem agora”, ou “dá uma coça que ele fica um tempo sem incomodar”. Quase tremi diante daquela cena, aquele ser humano degradado e marginalizado, excluído por nós, “classe média consciente”, que tem compaixão por um cão e tropeça num sem-teto, com chance de reclamar por ele estar ali. Dali a pouco chega um cara correndo, camisa e calção, gordo com bigode, pedindo licença. Pelo que entendi é o roubado. Pega suas coisas no chão, carteira, documentos e um boné. Ajuda o pm a levar o roubão, todavia não vi para onde. Estava empolgado com o ótimo texto que poderia fazer, entrei na Catarinense; pedi um cappuccino e comecei a escrever.

Que merda, que imprensa de bosta essa. O que eu devia ter feito? Ido atrás, falar com as pessoas (principalmente o roubão), saber de onde veio, por que estava ali? Acho que é isso que os manuais recomendam. Mas, e daí? No fim das contas estou, de um jeito ou de outro, aproveitando da desgraça do coitado para conseguir algo pessoal – minha matéria. No fim é tudo interesse próprio, eu vou dormir com um belo texto feito, você leitor deita e dorme, o cara deve ter apanhado um bocado na delegacia e fica tudo igual. Não muda nada, absolutamente nada. Cansei dessa profisão de merda que sobrevive às custas da desgraça alheia, dessa, hipocrisia toda. Não tem solução.

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