5 de fevereiro de 2009

Um lapso

Era verão, dia 26 de janeiro. No final da tarde, as nuvens, que horas antes passavam esparsas, começavam a se juntar. Uma grande tempestade se formava. Fato comum naqueles dias. Durante toda a semana, chovera antes de anoitecer. Neste, porém, foi o primeiro em que ele se encontrava em casa.

Da janela da sala, começou a ver a movimentação no céu. Ainda eram seis horas da tarde e as luzes na rua começavam a se acender aos poucos. Morava no Centro. Lugar barulhento, sobretudo naquele horário. Era possível ver, da sacada do apartamento, o trânsito absolutamente congestionado; pessoas atravessando em meio aos carros parados nas filas, eventualmente alguns atropelamentos ou abalroamentos entre os veículos.

Como ele morava no segundo andar, acabava ouvindo os xingamentos que uns motoristas faziam aos outros ou aos pedestres e vice-versa. No início, achava aquilo engraçado, até o dia em que ouviu um homem falar uma obscenidade a uma senhora de 60 anos - que por sinal estava com a razão naquele momento – e como nunca havia ouvido falar naquela palavra antes, foi ao Google pesquisar o que significava e ficou horrorizado com o que viu. Na mesma hora, proibiu seus dois filhos de ficarem na sacada naquele horário.

Neste dia, especialmente, resolveu praticar a antiga diversão que deixara há alguns meses e sentou-se na sacada. O vento nordeste ainda soprava de leve, mas ao sul as nuvens negras já não estavam sozinhas. O som dos trovões, cada vez mais alto, já se misturava ao barulho frenético da cidade. As primeiras gotas começaram a cair.

Ele era casado há seis anos. Desde que conhecera a mulher, não olhara mais para outra. A data do dia que descrevemos aqui ficará marcada para sempre na sua vida. Ela aparentava ter pouco mais de 20 anos. Com um vestido preto que começava a cobrir o corpo dela alguns dedos acima do joelho, ela caminhava calmamente. Ele ainda não havia entendido porque seus olhos agora a fitavam, ela jamais imaginaria que havia alguém olhando, então num lance súbito, quase um espasmo, olhou para cima e o viu. Parou.

Ele sabia que amava sua mulher. Era o que seu coração lhe dizia há quase oito anos, quando se beijaram pela primeira vez. Só que agora algo não deixava que ele parasse de olhar. Ela era morena, olhos castanhos. Um clichê diria que seu corpo havia sido moldado por Deus, mas nem a perfeição Dele poderia atingir aquele nível. Os cabelos longos desciam até a metade de suas costas. Ela usava uma pulseira de ouro bastante fina, da qual, estando longe, ele só conseguiu ver o brilho.

Estaria apaixonado? Como, se ele jamais a vira antes? Amor à primeira vista não poderia ser. Nunca acreditou nisso. Antes que pudesse ter qualquer reação, ela se refez, como quem leva um susto e em alguns instantes retorna à realidade, e voltou a caminhar. Aquela imagem o paralisou

Eu estava na janela em frente ao apartamento dele. Vi tudo. Inclusive o momento em que ela entrou na portaria do meu prédio. Em alguns instantes subiu, bateu a porta do meu apartamento e, como se nada tivesse acontecido, disse:

- Meu amor! Quanta saudade! Não agüentava mais ficar longe de você. Eu te amo mais que a qualquer outro.

No outro apartamento, mesmo sem conseguir ouvir, vi a mesma cena acontecendo, enquanto a abraçava forte e esperava um beijo, do mesmo jeito que fazíamos todos os dias. Em seguida, a tempestade caiu com força e a única coisa que ouvíamos era o barulho da chuva.

3 comentários:

Anônimo disse...

Muito massa! Phoda com PH! kkkkkk!

Unknown disse...

Nossa tudo isso você enxergou de uma sacada .rs
Adorei ...afinal samuka sempre será samuka.rs

LesPaul disse...

Um blog NOTA 10 e MODESTO. Gostei. Bluseira & Rock'roll no maisbarulho. blogspot.com. Vc é bem-vindo.

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