3 de abril de 2008

Era uma vez um jornal...

As portas do prédio sempre foram abertas a todos. Assim que se entrava, já era possível enxergar, ao fundo, uma sala imensa, cheia de máquinas de escrever nas mesas. Todavia, poucos as usavam ao mesmo tempo. Diriam, em um futuro próximo, que tanta tecnologia assim não deveria ser desperdiçada. Telefones tocavam incessantemente. O ritmo frenético e desordenado das campainhas formava uma desconexa orquestra.

Fumaça de cigarros, pilhas de copos de café, estojos com centenas de canetas e lápis, tudo isso brigava por espaço entre uma imensidão de folhas de papéis espalhados pelas mesas existentes na sala. Aparentemente, não havia a menor organização naquilo. Quem lia o jornal todos os dias jamais poderia imaginar que aquela balbúrdia era o embrião das páginas de diagramação reta e organizada, que iam às ruas todos os dias.

Nas ruas em torno do edifício, vários carros estavam sempre chegando e saindo. Pessoas saíam apressadas deles, corriam para as maquininhas de escrever e só saíam de lá horas depois. Entretanto, apesar da pressa, os homens e mulheres, aparentemente estressados, não hesitavam em cumprimentar quem quer que fosse pela rua.

Em frente ao prédio de arquitetura bucólica, havia um bar. Era lá que todos se reuniam. Diferente de outros profissionais, suas bebedeiras só começavam depois das 10 da noite. Nem todos gostavam daqueles caras, principalmente os poderosos daquela metrópole. Eles eram, todos, contestadores da realidade em que viviam. Não aceitavam que alguém com dinheiro pudesse destruir a vida de outro só por causa de sua classe social.

Só que esse dinheiro dos poderosos financiava a publicação do jornal. De início, as moedas de cobre vinham com singelos anúncios de produtos sem grande importância. A maioria, sequer dava para ser notado, pois vinham escondidos no meio de reportagens com belos textos, que prendiam os leitores até o último ponto final. Um dia, porém, alguém perguntou ao dono do jornal se ele venderia um espaço de meia página. Inicialmente, ele relutou, mas não conseguiu resistir à oferta. Pouco tempo depois, foi uma página inteira, duas, três... Certo dia, a publicação, que nunca havia saído com mais de 20 páginas, chegou a 60.

Pela falta de espaço nas páginas, os textos, que antes eram bem trabalhados, se transformaram em pequenas notas, sendo que a maioria delas era feita por telefone. Como não precisavam mais sair às ruas, as mesinhas começaram a se encher diariamente. O dono do jornal percebeu o fato de que não era mais necessário haver tantas pessoas na redação. A conta era simples: se uma pessoa era capaz de escrever uma matéria de 30 linhas sobre um mesmo assunto, estaria apta a fazer, sozinha, seis notas de cinco linhas.

E assim, as dezenas de mesas viraram uma dúzia. O prédio também deixou de ser necessário. Mudaram-se para uma sala, em um edifício comercial. Os vários carros foram vendidos. Só sobraram dois: um para fazer as poucas reportagens que ainda persistiam – quando faltavam anúncios – e outro para um profissional, que havia sido contratado para vender espaço publicitário.
Ao contrário do que possa parecer, o dono do jornal passou a ganhar mais dinheiro ainda. Deixou de ser apenas alguém que vivia bem e virou milionário. Os populares, que antes defendiam os repórteres, passaram a ignorá-los. Por outro lado, os poderosos chegavam a oferecer presentes constantemente.

Mas a vida continuou na Ilha da Magia Perdida...

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