7 de novembro de 2007

Vozes do Aroeira



Segunda-feira, 17 de setembro de 2007. Mais um dia, mais um trabalho, mais uma história. O lugar é o mesmo onde, outrora, a morte era analisada; hoje, é o endereço de projetos incumbidos de impulsionar vidas. Até 2005, na Rua Tolentino de Carvalho, o prédio de número 01 correspondia ao Instituto Médico Legal, no bairro Estreito, Florianópolis. A partir de junho daquele ano, o Governo do Estado de Santa Catarina cedeu o lugar por um prazo de dez anos à Incubadora Popular de Cooperativas.
Do convênio com o Consórcio Social da Juventude se mantém o Aroeira, que existe desde 1994. Os consórcios são uma forma de atuação do Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego, do Governo Federal. O Aroeira conseguiu ser o vencedor da licitação no Estado de Santa Catarina durante dois anos consecutivos. Existem, agora, expectativas para que o ano que vem seja o terceiro. Junior, coordenador do projeto, diz que mais de mil jovens com idade entre 16 e 24 anos participam do Aroeira. “São todos de comunidades carentes e o nosso objetivo é afastá-los da criminalidade através das oficinas e atividades que promovemos aqui no centro”, explica.
No prédio do IPC são muitas as salas em que os jovens exercem atividades.

- Há dois anos, no Aroeira 1, nossa preocupação era emergencial. Precisávamos realizar um trabalho rápido de resgate dos jovens. Tínhamos atividades relacionadas ao meio ambiente, à informática, à cidadania e à escolaridade - disse Junior.

Hoje, as oficinas dos primeiros anos de organização se tornaram cooperativas. As principais são: Soluções em Informática, a Cooperfloripa – responsável pela marca Solto Surf Wear, Estética Afro, Papel Reciclado, Marcenaria é Arte e Gastronomia e Panificação.
Para quem está na sala de recepção, o ar traz o cheirinho do pão que está no forno. - - O que produzimos aqui volta para as comunidades. Fornecemos, por exemplo, pão e pranchas de surf em quantidades significativas por um preço mais acessível aos bairros carentes ou trocamos por outra mercadoria - conta o coordenador. De acordo com Junior, isso tem sido um motivo de interação entre comunidades que, antes, eram rivais, contribuindo para um melhor relacionamento entre os habitantes.
No meio da conversa, a pauta do dia é redirecionada. Depois do panorama geral do projeto, Junior conta que um grupo de meninos, contemplado pelas oficinas dos primeiros Aroeiras, está prestes a gravar um Cd.

- Eles participaram de aulas de manutenção de instrumentos e acabaram montando um grupo de percussão.


Milhões de pessoas, milhares de barracos, feitos de madeiras ou tijolos, mas parecem inacabados. Meio metro separa uma casa da outra. De fundo toca essa base que pela burguesia é discriminada. Eu conheço. Tenho orgulho, bate no peito, essa música vem do gueto. A situação é ruim, mas ninguém se alarma. Então, acima do subsídio, eu me dedico a fazer esse relato, esse desabafo. A voz do excluído chegou. MNP: Movimento Negro Periférico.

- Os guris têm talento de sobra, só faltam oportunidades. – deixou claro o professor Nicolas Malhomme, que leciona teoria musical – O grupo tem nome: Os Khentes. Nome bonito, não é?

Nicolas toca bateria desde os 17 anos na periferia Sul de Paris, França, onde nasceu. Passou, então a se interessar por percussão afro-cubana, africana e afro-brasileira. Quando veio ao Brasil, foi integrante do Maracatu Nação Pernambuco de Olinda durante 5 anos. Chegou a Florianópolis em 1996, e já tocou com bandas locais e escolas de samba. Hoje, é integrante da banda Expedição. De acordo com Nicolas, o preconceito ainda é uma barreira para a capacidade dos meninos.

- Eu estou bem feliz em poder ajudá-los. Força de vontade eles já tem. É só um empurrãozinho que eles vão, estás entendendo? A idéia é eles poderem caminhar com as próprias pernas o mais rápido possível. É verdade, também, que existe um certo preconceito por eles virem das periferias, dos morros. Isso dificulta bastante. Por isso, acho que gravar é uma maneira mais rápida e eficaz de eles divulgarem o trabalho e conseguirem oportunidades como músicos – opinou.

Terça-feira, 23 de outubro de 2007.

Mais uma vez, o destino era o IPC, no Estreito. Por volta das 14h cheguei ao local e a Rose foi comunicar os 4 integrantes do grupo de percussão Os Khentes. Findas as apresentações, seguimos para a sala de música. Fechamos uma roda com as cadeiras e começamos o descobrimento.
Eles querem montar uma escola de música, já que os outros projetos terminaram na formação de cooperativas. Guilherme de Souza Pereira, 17, era o mais desinibido, no começo. Ele quer ser rico para poder fechar um clube e promover o evento que já tem nome: Talentos Anônimos.

- Viver de música aqui no Sul é foda -, disse Guilherme - Sou fã do Odilon! Pode anotar aí. Um dia quero ser que nem ele e escrever um livro sobre baterias de escola de samba. Ele é o mestre de bateria da Grande Rio!

Desde pequeno, Guilherme observava o tio, que passava pela rua com um pandeiro em mãos, quando ficava na casa da avó. Ele, então, quis aprender a tocar. O interesse pela música não ficou mais de lado. Hoje, faz parte da banda Fascinasamba. Contou toda a trajetória da união, desde a época em que participaram das oficinas de manutenção de instrumentos e do despertar da curiosidade pela percussão. Depois do Aroeira 1, permaneceram como monitores e deram cursos aos jovens do Aroeira 2.
Não são todos os integrantes que acompanham o projeto desde o seu início. Djavan Nascimento Costa, que completou 21 anos no dia 26 de outubro e Ângelo Luis Carvalho, 23, entraram mais tarde. Aos poucos, o desembaraço mostrou-se nos risos incontidos e nas constantes brincadeiras que, antes de me divertirem, quase me fizeram imaginar que eles não estivessem me levando a sério. Djavan parecia envergonhado:

- Daqui a pouco ela vai achar que é tudo brincadeira!

As músicas são escritas por ele, que pensa em fazer faculdade de música e de letras. A coincidência não está só no nome, mas também na afinidade musical: ele diz gostar das músicas do artista de quem tem o mesmo nome. Djavan diz se inspirar no que pensa sobre tudo, desde o funcionamento da sociedade até uma briga entre irmãos.

O cara já tá eleito, não tem jeito
Acostumaram
Faz parte, as promessas são onipresentes
E nós todos somos oniscientes
Pois o relato nasce pra isso
Soa nato
Não vou deixar me levar de novo, não
O sistema não vai me pegar
Eu represento a sigla do morro MNP
Movimento Negro Periférico

Ângelo também esteve em contato com a música desde pequeno. O pai toca violão e o irmão mais velho tem deficiência na visão e é cantor de rap. Com Rajan Gonçalves, 17, não é diferente:

- Tu nasce escutando, nasce no meio do pagode, ouve, gosta e acaba aprendendo.

O nome do grupo vem de uma expressão que todos eles costumam usar.

- É de tanto falar “eu sou quente, irmão...tu sabe que sou quente”. Aí precisava de um nome e decidimos assim – explicou Guilherme.


- É! Só reformulamos pra ficar mais louco – interrompeu Djavan.

- Mais louco por quê? Por causa da escrita? – perguntei.

- Sim! Pra ficar diferente, ficar mais pá... – respondeu, sorrindo.

Nicolas entrou à sala enquanto fazíamos algumas fotos. Contou um episódio que não deixou os meninos contentes.

- Eu estava procurando Cds de rap, e não encontrei em loja nenhuma! Perguntei pra um vendedor e ele me disse que se trazem esse tipo de Cd pras lojas, vai ter gente que vai entrar lá pra roubar – falou o professor.

- Não quero ganhar dinheiro com essas lojas, não! Nosso Cd não vai pra lugar assim – adiantou Djavan.

Você diz que nós não temos motivos pra se revoltar
Na moral vocês não sabem o que temos que passar
Pra botar rango na mesa
Ser um mano firmeza e não deixar a família
Passar necessidade
Você não conhece a dura realidade


Mal saiu do estúdio, o Cd foi deixado em minhas mãos. As gravações contaram com a participação de duas primas de Djavan, Clarisse e Bruna. O Cd de samba e percussão está em fase de produção ainda.

Arielli Secco

Uma observação.
Desisto de tentar colocar parágrafos no texto.

3 comentários:

Anônimo disse...

Vc consegue extrair lirismo da melancolia e da barra pesada. Aliás todos aqui têm muito talento. Prometo voltar sempre. beijos, Wagner

Anônimo disse...

gostei muito deste documento.
gortaria de estar contribuindo mais se possivel apos quatro anos mudou algumas coisa na trajetoriado grupo de percussao? como estaria esses meninos? as vozes do areira hoje. estao aonde?

Anônimo disse...

djavan_mnp atalmente estou com meu rap divulgado em alguns ambiente e deixa meu muito obrigado pela postagem.

djavan nacimento costa
gestor de negocios/ rapper/educador/ militante social

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