21 de outubro de 2007

Do que é realidade.


.O boné era instrumento da timidez. “Não gosto de aparecer em foto”, alertou Cezar. Os olhos claros procuravam fugir ao contato. As confidências fluíam na conversa enquanto a cabeça permanecia ligeiramente inclinada para baixo. As palavras eram o sinal de uma confiança rápida, construída naquele mesmo instante - e que se mostrava necessária. Tem treze anos, freqüenta o Centro Educacional Dom Jaime Câmara pela manhã e vai ao colégio à tarde. Das 18h às 20h, vende os salgados que sua tia faz. “Minha mãe nunca me obrigou a nada. Faço isso porque eu quero. Ela só me proibiu de brincar com as outras crianças. Meu irmão brincava e virou maconheiro”.
A conversa foi interrompida pela convenção dos bons modos. A palestrante da Procuradoria Regional do Trabalho precisava falar sobre números. Pediam o nosso silêncio.
Depois das exposições sobre o Diagnóstico do Trabalho Infantil em Palhoça e em Biguaçu, realizado pela Organização Internacional do Trabalho, e sobre exploração sexual, a primeira pergunta de Cézar a mim:
- E o pessoal da tarde, como fica?
- Oi? - os ouvidos desatentos me fizeram indagar.
- É! As crianças que vêm pra cá de tarde! Eles vão ter isso também?
- Não sei, Cezar. Essas palestras são por causa do nosso trabalho, e viemos de manhã porque é nosso horário de aula.

- Mas tem que ter à tarde, também! É importante pra eles, né?
- Verdade! Vou ver o que consigo fazer.
Falei com a Samira, coordenadora do projeto Jornada Ampliada [uma execução do PETI - Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - que acontece dentro do Centro Educacional Dom Jaime Câmara]. Já estavam combinando com os palestrantes para que fizessem a mesma coisa durante a tarde. Ela me agradeceu e aproveitei para me desculpar pela conversa com o Cezar, que por vezes pôde ter sido abusiva – embora eu soubesse que deveria ter aproveitado o momento e preferia ter atrapalhado a palestra a interromper a sede de confidência do garoto.

Cezar correu junto às outras crianças para o almoço. Antes, pedi a ele um abraço, que não me foi negado. Abraço apertado. Foi só o começo. Quem sabe, na próxima semana o boné já não seja mais tão utilizado.

Um comentário:

Anônimo disse...

Quando eu crescer, quero escrever que nem a Arielli. :P

Beijo!

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