28 de maio de 2008

Ironias




Considero importante armazenar certos acontecimentos na memória e estabelecer relações com a atualidade. Nesse famigerado século, em que todos dizem ser o tempo uma jóia rara, o etéreo passa a ser conseqüência; os fatos passam, o que vale é o agora, porque o ontem já foi. No meu impulso de atualização, eu, que antes abria um jornal, hoje me flagro a abrir sítios que conglomeram informações de toda e qualquer natureza na primeira página. Ainda assim, vez ou outra, consigo estabelecer relações e ter algum senso crítico.

Por exemplo: reparo sempre no que o futebol faz com as pessoas. Principalmente em Copa do Mundo, quando amigos se unem, inimigos se perdoam, os problemas sociais desaparecem e a felicidade se torna estado decretado. O momento epifania causa a falsa impressão de que tudo vai bem. Para um país que sedia o evento, então, nem se fala! É motivo de orgulho, de auto-estima para a nação, é símbolo de modernidade e de preparo. Lógico, não é para qualquer um!
A África do Sul sediará a Copa em 2010. O fato torna-se catalisador de agilidade política e econômica e prontidão vira palavra-chave: até dezembro deste ano, cinco novos estádios de futebol devem ficar prontos. Isso é parte de um investimento de 1 bilhão de dólares despendido pelo governo. Peço ao leitor que guarde esse parágrafo.
Desde a semana passada noto manchetes do tipo “África do Sul já tem 24 imigrantes mortos”, “Mais de 10 imigrantes são mortos na África do Sul”, “Violência resulta de disputa por subempregos”. Thabo Mbeki, presidente Sul-Africano, por sua vez, tornou-se alvo de muitas críticas. Ele é acusado de privilegiar empresários em um momento de alta taxa de desemprego, concorrência por subempregos da economia informal e crise na economia.
É perfeitamente previsível que uma população mergulhada em tantos problemas aumente sua ira ao ter que disputar o espaço, já restrito, com imigrantes – vindos em maioria do Zimbábue, outra região problemática. Ironia é pensar que os ataques xenófobos têm acontecido em Johannesburgo, a maior cidade do país, e mais: concentradora do maior centro produtor de ouro e diamante do mundo.
Eis aqui a relação de que falei no início do texto: a desassistência parece não se repetir quando o assunto é futebol. A não resolução de questões básicas como moradia, abastecimento e ampliação do mercado de trabalho é característica comum dos governos pós-apartheid. Mais uma vez, a bomba estoura do lado mais fraco, pessoas chegam a situações extremistas e a esperança não é mais a última que morre, e sim o motivo que leva a essa causa em momento de desespero.
Calma! Em 2010 os sul-africanos terão o que comemorar!

Um comentário:

Pedro disse...

É isso aí. Em 2014 é a nossa vez. Que alegria!

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