15 de maio de 2008

Aventura na Amazônia...até o Pico da Neblina

Era noite na casa de Marcel Henrique Tonel Soares. Em volta da mesa, toda a família, menos o próprio Marcel, discutia sobre a nova aventura que ele havia divulgado dias antes.

- Você viu o que o Marcel inventou agora? Vai para o Pico da Neblina – disse a mãe.

- Duvido! Logo ele desiste disso – retrucou a namorada do irmão.

De repente, o irmão de Marcel, que havia saído por alguns instantes, volta ao local onde ocorria o debate.

- Se ele disse que vai, é porque vai – encerra o irmão.

Desde a adolescência, Marcel se aventura pelas estradas e trilhas de Santa Catarina, participando de viagens de bicicleta e corridas de aventura. Três das viagens em duas rodas tiveram percursos com média de 300 quilômetros de distância. A mais longa delas foi de Florianópolis até o Morro dos Conventos, em Araranguá.

- Nas primeiras vezes que eu ia com amigos até a praia da Barra da Lagoa, achava a distância imensa, parecia que não acabava mais. Hoje em dia, consigo fazer isso normalmente – revela Marcel, que sempre ouvia da família que encarar seis dias em uma viagem como essa era “um programa de índio”.

Para ele, essas viagens de bicicleta e as corridas de aventura mostram o mundo de maneira diferente de uma viagem de carro, por exemplo. O fato de que as paisagens e objetos passam pelos olhos mais devagar ajuda a apreciar a beleza nos pequenos detalhes que a velocidade do carro esconde em uma mancha praticamente monocromática.

Depois de um ano de planejamento, no verão de 2006/2007, Marcel e mais alguns amigos saíram de Florianópolis, de carro, em direção ao sul extremo da América, na cidade de Ushuaia, na Argentina. Essa foi a primeira grande viagem dele. Foram 30 dias e mais de 15 mil quilômetros rodados pelas estradas do Brasil, Argentina e Chile.

Sua aventura maior, porém, só teve início em uma conversa com seus colegas de ciclismo. Em novembro passado, a idéia de ir ao Pico da Neblina, ponto mais alto do Brasil, com 2.994 metros de altitude, localizado no Norte do Amazonas, no meio da floresta, surgiu ainda de modo descontraído, sem nenhuma pretensão maior. Todavia, Marcel levou o intento a sério. Seria a primeira vez que ele faria uma aventura assim. Em meados de março, Marcel e mais três amigos desembarcavam no Amazonas dispostos a alcançar o cume do morro.

A preparação para a aventura se deu ao longo de um mês. Pelo menos três vezes por semana, ele corria de sete a 10 quilômetros. Uma subida ao cume do Morro do Cambirela, em Palhoça, também foi realizada. Nesse momento, Marcel, aluno da oitava fase do curso de Engenharia de Produção, usou dos conhecimentos sobre planejamento, aprendidos em sala de aula, para programar como seria a expedição que o levaria ao ponto mais alto do país.

- Foi com a subida ao Cambirela que pude prever muitas das dificuldades que enfrentaríamos lá no Amazonas. Se não fossem as aulas de planejamento, provavelmente teríamos grandes problemas – acredita Marcel.

Na bagagem, roupas de frio, redes e sacos para dormir e a comida. “Foram 10 dias passando, basicamente, a arroz, feijão e macarrão”, lembra Marcel. Havia um peso médio de 8 quilos em cada uma das mochilas. Ele conta que todo o material básico para a sobrevivência do grupo estava com os guias, contratados no local.

- O mínimo de conforto que tínhamos, carregávamos conosco.

Da selva, o maior medo de Marcel não eram os grandes animais, mas sim as aranhas. Isso porque, apesar de pequenas e, muitas vezes, quase invisíveis, elas têm um veneno mais poderoso que o de muitas cobras. Assim, a maior parte das roupas utilizadas pelo grupo era bastante fechada, cobrindo boa parte do corpo.

O frio também era um problema. Mesmo estando em março, devido à altitude e à umidade excessiva do local, as temperaturas eram similares às de um inverno rigoroso em Florianópolis. Quando ainda estavam no acampamento base, no quinto dia de expedição, o grupo enfrentou uma noite com temperaturas em torno de 9ºC.

A aventura começou de barco. Durante dois dias o grupo subiu o rio que os levaria até a foz do rio Tucano, onde fica o início da trilha para chegar ao cume do Pico da Neblina. Depois, começou a caminhada de seis dias até o topo. A chuva era um dos maiores revezes enfrentados por Marcel e seus companheiros de viagem. Foi preciso, logo no início da trilha, conseguir uma autorização da Funai, para entrar na reserva indígena ianomâmi.

- Mesmo com a autorização, segundo os guias, havia a possibilidade de os índios impedirem a nossa subida.

Como se sabe, chuvas na Amazônia acontecem o tempo todo. Isso incomodava o grupo, pois, a cada temporal, tudo o que carregavam terminava molhado, inclusive o que estava guardado nas mochilas. Assim, além do aumento de peso, eles precisavam agüentar o fato de não terem mais uma única peça de roupa seca. Era necessário vestir roupas molhadas e esperar que elas secassem no corpo até que viesse a próxima chuva. Além disso, boa parte da trilha, que já era alagada naturalmente, ficava ainda mais complicada com o excesso de chuvas.

A trilha, apesar de não aparentar ser difícil, exigia cuidados. Logo no primeiro dia, os guias instruíram o grupo a não andar na frente deles, para que não se perdessem no meio da mata fechada, onde nem o GPS funcionava. Contudo, a recomendação só foi seguida nos dois primeiros dias. Logo Marcel e seus amigos já andavam à frente dos guias. Nesse momento receberam rádios e foram avisados a entrar em contato com os guias nos cruzamentos que encontrassem.

- Quando terminamos, os guias elogiaram nossa forma física, pois foi a primeira vez que não conseguiram acompanhar um grupo – argumenta Marcel, que credita o fato de ter conseguido ser mais rápido que seus guias às corridas de aventura das quais já participara.

Entretanto, a boa forma do grupo não poderia ser comparada a de alguns habitantes da região que Marcel encontrou. Havia garimpeiros que ficam lá durante seis meses do ano e o grupo cruzou com eles, durante a subida, carregando nas costas sacos de alimentos que pesavam em torno de 50 quilos. Além do peso, eles ainda andavam mais rápido que os incipientes aventureiros.

Durante a viagem, Marcel diz ter começado a avaliar questões da sua vida. “Quando se está lá, você pensa no que é importante”. No meio da mata, à noite, ouvindo os sons dos animais, em um estado que misturava medo e alegria, os problemas da vida cotidiana acabam ficando pelo caminho. Eram apenas seus amigos, a selva e o morro a subir. O cume foi alcançado no dia 28 de março, quando Marcel completou 29 anos de idade.

A experiência obtida no Norte do Amazonas trouxe o incentivo necessário para Marcel continuar suas aventuras. Agora, ele pretende ainda subir os 10 maiores picos do Brasil e conta com o patrocínio da empresa onde trabalha para isso acontecer.

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