Mais um desses textos que, corriqueiramente, escrevemos para aulas que colocam em pauta discussões batidas e têm o final feliz de sempre: o bem vence, todos estão conscientizados acerca das desigualdades e o caos tem solução.
O Diabo veste Prada
O nome do filme traz a mesma marca que os sapatos vermelhos aos pés do papa. Boas atuações, Oscar para a atriz Meryl Streep (que, convenhamos, de Cruela Cruel para Miranda Priestley não foi grande diferença), o tradicional jogo de câmeras Hollywoodiano e o glamour do mundo da moda. O filme permite duas análises: a de que ele mostra os bastidores da moda como um mundo de poder e de estrelismos, ou a de que ele tem elementos suficientes para vir a ser uma crítica às banalizações da vida pós-moderna.
A cena inicial é o retrato puro e simples da uniformização provocada pelo que é convencionalmente chamado de “beleza”. Mulheres supostamente diferentes se maquiam em frente ao espelho e vestem as roupas da moda a fim de se enquadrarem ao padrão. A Impressão que se tem é de uma auto-fábrica a que todas se submetem. Os cílios postiços, os tecidos esvoaçantes e o salto alto forjam uma imagem plástica, irreal. Já antes de Cristo, filósofos como Aristóteles discutiam a beleza em um patamar diretamente relacionado ao bom, ao amor, à felicidade, diretamente interligados com a alma, a essência, o ontológico dos seres. Uma beleza construída, não comprada. Como pode o ser humano, então, ter perdido tanto ao restringir o belo a marcas, a cores estampadas artificialmente no rosto e à aparência?
Acredito que, antes de relacionar tal fato com hábitos como consumismo, é preciso aprofundar a questão ao sentimento humano: à ansiedade, à solidão e à necessidade de se sentir parte de um segmento social fruto de impressões. Não se usa o que se gosta, pois o gosto se confunde ao que está destacado nas páginas ou nos programas de televisão como “o que está na moda!”. As pessoas não se interligam simplesmente por afinidade ou por compaixão, e sim pelos óculos, pela bolsa ou pelo tênis da vez. A sociedade da espetacularização (conceito proposto por Guy Debord) provoca uma sensação de satisfação àqueles que estimam valores materiais em lugar de valores construídos pela vivência. Uma marca não passa de um vazio. Uma ideologia superficial é difundida em outdoors e em formas diversas de publicidade a troco de um nome bordado em uma etiqueta, supervalorizando um objeto que pode não passar de um pedaço de tecido. Encontramo-nos na sociedade dos signos, a que não se atribui significado algum além do capital, ao contrário do que é proposto pela semiótica. Tudo é fabricado para ser exposto e desfilado nas passarelas de asfalto, que são as mesmas por que pisam pessoas à margem do glamour.
A coisificação do ser pode ser explicitamente identificada no filme quando a editora-chefe da revista Runway, Miranda Priestley, chama sua nova contratada como segunda assistente, Andrea (a mocinha inocente que só queria conseguir um bom emprego como jornalista e que sempre criticou o mundo da moda) de Emily (nome da superior primeira assistente). Isso prova, além do poder e da submissão, que não havia diferença para a editora levar em consideração que existia uma pessoa trabalhando, com nome, personalidade e sentimentos. A própria Andréa, aliás, submeteu-se a desrespeitar-se: re-personalizou-se para se enquadrar na função que a cabia. Sempre humilhada por seu modo de se vestir e pelo seu modo de lidar com os fatos, ela passou por uma transformação que provou ser supérflua e temporária ao final do filme. O final feliz foi que, mesmo tendo mudado seu modo de se vestir e de lidar com as pessoas, seu pensamento permaneceu o mesmo e falou mais alto em uma das últimas cenas, quando a Andréa-que-não-Emily virou as costas para a vida que levava como assessora da editora da Runway para voltar à busca pelo emprego que realizaria verdadeiramente seu sonho como jornalista, ainda que isso não equivalesse a glamour e purpurinas.
O nome do filme traz a mesma marca que os sapatos vermelhos aos pés do papa. Boas atuações, Oscar para a atriz Meryl Streep (que, convenhamos, de Cruela Cruel para Miranda Priestley não foi grande diferença), o tradicional jogo de câmeras Hollywoodiano e o glamour do mundo da moda. O filme permite duas análises: a de que ele mostra os bastidores da moda como um mundo de poder e de estrelismos, ou a de que ele tem elementos suficientes para vir a ser uma crítica às banalizações da vida pós-moderna.
A cena inicial é o retrato puro e simples da uniformização provocada pelo que é convencionalmente chamado de “beleza”. Mulheres supostamente diferentes se maquiam em frente ao espelho e vestem as roupas da moda a fim de se enquadrarem ao padrão. A Impressão que se tem é de uma auto-fábrica a que todas se submetem. Os cílios postiços, os tecidos esvoaçantes e o salto alto forjam uma imagem plástica, irreal. Já antes de Cristo, filósofos como Aristóteles discutiam a beleza em um patamar diretamente relacionado ao bom, ao amor, à felicidade, diretamente interligados com a alma, a essência, o ontológico dos seres. Uma beleza construída, não comprada. Como pode o ser humano, então, ter perdido tanto ao restringir o belo a marcas, a cores estampadas artificialmente no rosto e à aparência?
Acredito que, antes de relacionar tal fato com hábitos como consumismo, é preciso aprofundar a questão ao sentimento humano: à ansiedade, à solidão e à necessidade de se sentir parte de um segmento social fruto de impressões. Não se usa o que se gosta, pois o gosto se confunde ao que está destacado nas páginas ou nos programas de televisão como “o que está na moda!”. As pessoas não se interligam simplesmente por afinidade ou por compaixão, e sim pelos óculos, pela bolsa ou pelo tênis da vez. A sociedade da espetacularização (conceito proposto por Guy Debord) provoca uma sensação de satisfação àqueles que estimam valores materiais em lugar de valores construídos pela vivência. Uma marca não passa de um vazio. Uma ideologia superficial é difundida em outdoors e em formas diversas de publicidade a troco de um nome bordado em uma etiqueta, supervalorizando um objeto que pode não passar de um pedaço de tecido. Encontramo-nos na sociedade dos signos, a que não se atribui significado algum além do capital, ao contrário do que é proposto pela semiótica. Tudo é fabricado para ser exposto e desfilado nas passarelas de asfalto, que são as mesmas por que pisam pessoas à margem do glamour.
A coisificação do ser pode ser explicitamente identificada no filme quando a editora-chefe da revista Runway, Miranda Priestley, chama sua nova contratada como segunda assistente, Andrea (a mocinha inocente que só queria conseguir um bom emprego como jornalista e que sempre criticou o mundo da moda) de Emily (nome da superior primeira assistente). Isso prova, além do poder e da submissão, que não havia diferença para a editora levar em consideração que existia uma pessoa trabalhando, com nome, personalidade e sentimentos. A própria Andréa, aliás, submeteu-se a desrespeitar-se: re-personalizou-se para se enquadrar na função que a cabia. Sempre humilhada por seu modo de se vestir e pelo seu modo de lidar com os fatos, ela passou por uma transformação que provou ser supérflua e temporária ao final do filme. O final feliz foi que, mesmo tendo mudado seu modo de se vestir e de lidar com as pessoas, seu pensamento permaneceu o mesmo e falou mais alto em uma das últimas cenas, quando a Andréa-que-não-Emily virou as costas para a vida que levava como assessora da editora da Runway para voltar à busca pelo emprego que realizaria verdadeiramente seu sonho como jornalista, ainda que isso não equivalesse a glamour e purpurinas.
A essência é a mesma. Todos temos alma, todos temos corpo. Alguns compram aparências mais caras que outros. E a única diferença é uma etiqueta.
Arielli Secco
Um comentário:
Muito bom o texto Li! ;D
Concordo com tudo..e não é só porque eu gosto do que você escreve, mas é que as vezes parece que existem "trapos etiquetados"..
E que venha a coleção outono-inverno..tudo assim ao contrário, no frio desfila-se de biquini e no verão de casaco..
São as mudanças climáticas até no mundo da moda.
=*
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