Na maioria dos manuais de redação jornalística, aprendemos que para uma boa matéria devemos ouvir e abrir espaços iguais para todos os lados envolvidos num determinado fato, sermos imparciais e objetivos, deixar para o leitor ou telespectador a análise sobre os acontecimentos e nos restringir apenas a informação pura. Essa prática de jornalismo, conhecida como modelo americano, existe desde a Segunda Guerra e é seguida por boa parte das publicações mundo afora.
Mas 70 anos depois do início do conflito, muita coisa mudou no mundo. Se antes era preciso esperar semanas por uma carta de uma pessoa no outro lado do mundo para se obter notícias, hoje, com um celular, podemos falar de qualquer lugar para os pontos mais remotos do planeta. Da mesma forma, os jornais que circulavam de maneira restrita em algumas cidades, agora estão em todo o mundo, através da internet.
As novas tecnologias não abriram as portas apenas para notícias produzidas por profissionais nas redações. Ferramentas como o blog, o Twitter ou os podcasts, acabaram com todas as barreiras impostas pela mídia. Desde o advento da internet, qualquer um pode cobrar da prefeitura a pavimentação de uma rua, avisar outras pessoas que o trânsito está complicado numa determinada via ou mesmo denunciar um caso de corrupção que eventualmente tenha presenciado.
E nada disso é feito se observando as regras dos manuais de redação. As pessoas falam a todos com a sua linguagem característica, usando suas gírias e jargões. Não são raros também os casos em que até as regras gramaticais são deixadas de lado.
No outro lado da história, ainda sobrevivem os jornais, rádios e televisões convencionais. Com suas regras e padrões ultrapassados, eles ainda resistem de alguma maneira ao surgimento de todas essas ferramentas. E os jornalistas, operários quase sempre apáticos, pouco ou nada fazem para mudar a visão dos patrões sobre essas mudanças e a necessidade de se observar o mundo de maneira diferente, dando mais espaço e voz aos leitores, buscando neles formas de continuar existindo nos próximos anos.
Nos veículos tradicionais, a interatividade do receptor com os produtores da notícia se resume a pequenos espaços de cartas, sempre muito bem selecionadas, ou a promoções em rádios e televisões e programas de auditório, cujos espectadores saem do conforto de suas salas para assistirem, ao vivo uma gravação que dura toda uma tarde. A resistência à mudança é tal, que até o lugar onde as pessoas se sentam nos estúdios obedece a mesma disposição que eles teriam nas suas telas. Fica na frente o apresentador e, por trás da linha das câmeras, um público que aplaude, vaia, chora e ri ao comando de uma placa luminosa.
Isso é completamente diferente nas novas mídias. Agora, o leitor, ouvinte ou telespectador interage no conteúdo, torna-se parte dele também. O eventual caso de corrupção citado acima pode receber diversos exemplos e visões distintas de quem visita um blog. Até mesmo os envolvidos no caso podem tentar se explicar e, ali mesmo, serão julgados por outros comentadores. Há espaço para uma democracia midiática jamais vista nas novas tecnologias.
Aí pensamos um pouco: se essas tecnologias são todas eletrônicas, os veículos impressos acabarão? É claro que não. Assim como as rádionovelas não acabaram com os livros e nem as televisões acabaram com o rádio. A sobrevivência dos meios está numa outra maneira de pensar e fazer os conteúdos. Na história recente dos meios de comunicação de massa, percebemos que sempre quando surgia uma nova tecnologia, a anterior se adaptava a ela e tentava sobreviver. Foi esse o motivo das notícias necessitarem, lá na segunda guerra, de todas aquelas premissas que comentamos. Pela rapidez do rádio, achou-se que os textos dos periódicos não poderiam mais ser tão extensos e parciais, cheios de detalhes e floreios estilísticos. Tudo precisaria ser mais ágil.
Agora, a agilidade chegou ao seu ápice e, novamente, quem está atrás precisa se modificar. No caso do jornalismo, a volta da personalidade nos textos pode ser uma boa saída para atrair novos leitores. Quem lê diariamente às pressas um jornal ou uma revista, pode imaginar que todas as matérias foram escritas pelas mesmas pessoas, pois eles ainda seguem os manuais e tudo acaba ficando muito homogêneo.
Tirando os colunistas, o público já não se identifica mais com este ou com aquele jornalista, pois eles não escrevem mais para alguém, como ocorria nas publicações antigamente. Os repórteres também não escrevem para si, pois os textos são mornos, sem paixão. As perguntas clássicas de uma matéria ao estilo americano – O que? Quem? Quando? Onde? Como? Porque? – são respondidas sempre da mesma forma. Os receptores lêem a notícia e nem se dão conta dos interesses que podem estar embutidos numa determinada pauta. Não há espaço para discussão.
Reproduzir fielmente o que acontece não é o papel de um jornalista. Sua missão é fazer com que o público interaja com conteúdo levando às discussões com os amigos, no trabalho, no bar, aquilo que um jornalista o informou em suas matérias. A personalidade de um texto atrai o leitor do início ao fim da matéria, seja no rádio, TV ou mídia impressa. É através dela que o leitor poderá avaliar a qualidade do que está lendo, ficar curioso sobre o assunto, buscar outras referências, mandar cartas e e-mails para as redações, supervisionar e se tornar fiel a alguma publicação. Isso traz o leitor para dentro da redação e o transforma também em protagonista da notícia e não um mero espectador apático.
Experiências como conselhos de leitores mostram que muitos se interessam pelas publicações e chegam até a brigar com editores por causa do conteúdo de determinadas matérias publicadas. Mas não é o suficiente. É preciso que as pessoas se identifiquem com o conteúdo e, por mais distante que um assunto possa parecer de sua realidade mais próxima, uma matéria bem escrita, bem argumentada e bastante pessoal - no sentido da experiência vivida pelo repórter durante a produção – faz com que o leitor entenda que quem escreveu é, como ele, também um ser humano.