29 de janeiro de 2007

É a lama, é a lama

No último dia 25 um dos maiores compositores da história brasileira estaria completando 80 anos. Não precisa nem dizer quem é, pois o leitor já deve ter lido, ouvido ou assistido em algum lugar, mas de qualquer maneira eu vou dizer. Ele era um grande amante da natureza, das mulheres, do samba, do jazz e do Rio de Janeiro. Tom Jobim era a alma do Rio. Entretanto, sua obra, assim como a de muitos outros artistas contemporâneos a ele se resumia em descrever as belezas do Rio e do Brasil.
Só que a beleza da qual Tom cantava só podia ser admirada pelos moradores dos bairros nobres da cidade. Na antiga capital do Reino Unido de Portugal e Algarves, o que se via nos becos era exatamente o oposto de muitas das obras desses não traziam. A beleza lúdica da simplicidade expressa em letras como a de "Águas de Março" jamais existiu de fato na sociedade carioca. O que existiu e persiste em existir até hoje é um grande abismo social entranhado em toda a Grande Rio.
Desde a época da colonização portuguesa o Rio de Janeiro e todo o Brasil sofreu com um grande déficit de educação. Apenas os filhos dos grandes fazendeiros que possuíam dinheiro para poder viajar à Europa podiam ter acesso aos estudos. Isto, aliado ao descaso dos mais favorecidos em relação aos mais pobres (note o leitor que nem incluo ainda os escravos e os índios) levou ao abismo que se vê hoje. A burguesia sempre se preocupou mais em contemplar o belo, o romântico e o parnasiano. O realismo neste caso nunca foi a grande preocupação da alta sociedade no Brasil.
O Rio de Janeiro sempre esteve mais para Machado de Assis do que para Tom Jobim. Sempre foi mais dos brancos ricos da zona sul do que dos mestiços pobres dos complexos de favelas. Hoje, o que mais parece assustar a alta sociedade do Rio não é a escalada social de jovens pobres do subúrbio, mas sim o medo de em breve perder o seu poder diante de uma revolução social às avessas. As imagens de crianças com armas na cintura parecem chocar mais a estas pessoas por elas demonstrarem que enfim estão prestes a derrubar todo o governo local (leia-se poder econômico) do que realmente o medo de levar um tiro na porta de casa.
E então vemos os programas sociais. O que devia ter sido feito há 50 anos ou mais nas comunidades pobres só aparece hoje por parte de algumas pessoas da Zona Sul. Estariam essas pessoas com boas intenções ou isto é apenas uma maneira de tentar amenizar a transição de governo que se iniciou nos últimos anos no Rio? "Se não podemos vencê-los vamos nos juntar a eles." Políticos corruptos, polícia mal paga, mal treinada, mal equipada e, muitas vezes, mal-intencionada, uma educação terrível e uma saúde que já está na UTI agonizando há anos, só podem pedir ao povo uma revolução social. Como o povo está tão maltratado e tão pobre que muitas vezes nem consegue comprar o pão para alimentar a si, coube ao tráfico de armas e drogas aproveitar o caminho e tomar o poder nas comunidades pobres oferecendo exatamente o que o poder público pela sua ineficiência histórica negou às comunidades carentes. Afirmo novamente que o Rio está mais para Machado que para Tom, entretanto um dos versos deste último sintetiza a claramente a situação tanto no Rio de Janeiro quanto no resto do país: "É a lama, é a lama".
O país implora por políticas públicas eficientes para que nós possamos um dia, antes que o tráfico de drogas e a violência tomem conta de tudo, nos sentar na beira da praia e observar a o encanto da garota de Ipanema, o balanço das mulatas que sambam no carnaval, a beleza da menina da Praia Mole, das negras da Bahia e das netas de alemães de Blumenau.

Um comentário:

Pedro disse...

Perfeitamente.O Rio de "sal,sol e sul" é um fragmento de uma época que não volta mais.Uma época que podia-se passear tranqüilamente pela Cinelândia;Copacabana era o metro quadrado mais caro da cidade;não ouvia-se tiros;o Beco das Garrafas não era um amontoado de puteiros e todo dia havia boa música no Bottle's;o Au Boun Gourmet recebeu O Encontro.

Esse Rio existiu,embora talvez para poucos;e Tom soube aproveitá-lo.Felizes seríamos se até hoje pudessemos ir lá.

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