Tem certas pessoas que só vemos em dias de funerais, festas no bairro ou dia de eleições. Parece que se escondem durante todo o ano, em alguma caixa perdida num depósito fechado. Hoje foi dia de rever alguns deles. Graças ao milagre do segundo turno, tive o prazer de vê-los duas vezes em menos de um mês. Pude perceber que, num dia ensolarado, muitos deles acabaram aproveitando também para tirar um pouco do mofo acumulado nas caixas de onde nunca saem.
Renato Antunes não gosta de sair de casa. Nunca gostou. Seus poucos amigos sempre o chamam de “Traça de Livro” – apelido que com o tempo foi diminuído apenas para “Traça” - pois toda vez que o convidam para sair de casa ele diz que não pode, pois está lendo. Ler era só uma desculpa. Ele raramente punha as mãos em um livro. O que ele gostava simplesmente era de ficar em casa. Não para ver televisão ou para navegar horas a fio na internet. Apenas ficar em casa, longe do convívio social.
Para tirar Traça de casa era preciso que houvesse um acontecimento muito grande. Eu nunca fui muito amigo dele. Apenas cruzávamos em alguns destes eventos. A última vez que o vi foi no reveillon. Em nosso bairro sempre fazem uma festa para celebrar o ano novo. E lá estava ele. Tinha mais álcool em seu sangue que no motor de um Opala 78 movido a esse combustível. Este era o grande defeito de Renato. Sempre que saía de casa e ia a festas, acabava bebendo além da conta.
Agora o reencontro aqui na fila da seção eleitoral. Votamos no mesmo local. Traça usando seu inconfundível terno bege. Ele quase sempre usa ternos beges. Quando chego ali vejo que ele está no meio de uma acalorada discussão sobre os candidatos. “O meu candidato é melhor porque não é ladrão”, dizia a pessoa que estava falando com Traça. “Se ele não é ladrão então por que existem tantas denuncias contra ele?” – defendia Traça.
Demorou pelo menos uns dois minutos até que Renato Antunes percebesse a minha presença. A pessoa que debatia com ele já tinha entrado na sala do grupo escolar onde votávamos. Comentei com Traça que pelo nível da discussão, ele deveria ter pensado muito antes de votar. Ele me respondeu que sim. Falou que apesar de ter defendido um candidato, votaria em outro só porque ele deu a uma prima dele um emprego de subsecretária na prefeitura há quatro anos e queria agradecê-lo por isso.
Tem pessoas que só vemos em funerais, festas de bairro e dia de eleições. E é melhor que seja assim.
Renato Antunes não gosta de sair de casa. Nunca gostou. Seus poucos amigos sempre o chamam de “Traça de Livro” – apelido que com o tempo foi diminuído apenas para “Traça” - pois toda vez que o convidam para sair de casa ele diz que não pode, pois está lendo. Ler era só uma desculpa. Ele raramente punha as mãos em um livro. O que ele gostava simplesmente era de ficar em casa. Não para ver televisão ou para navegar horas a fio na internet. Apenas ficar em casa, longe do convívio social.
Para tirar Traça de casa era preciso que houvesse um acontecimento muito grande. Eu nunca fui muito amigo dele. Apenas cruzávamos em alguns destes eventos. A última vez que o vi foi no reveillon. Em nosso bairro sempre fazem uma festa para celebrar o ano novo. E lá estava ele. Tinha mais álcool em seu sangue que no motor de um Opala 78 movido a esse combustível. Este era o grande defeito de Renato. Sempre que saía de casa e ia a festas, acabava bebendo além da conta.
Agora o reencontro aqui na fila da seção eleitoral. Votamos no mesmo local. Traça usando seu inconfundível terno bege. Ele quase sempre usa ternos beges. Quando chego ali vejo que ele está no meio de uma acalorada discussão sobre os candidatos. “O meu candidato é melhor porque não é ladrão”, dizia a pessoa que estava falando com Traça. “Se ele não é ladrão então por que existem tantas denuncias contra ele?” – defendia Traça.
Demorou pelo menos uns dois minutos até que Renato Antunes percebesse a minha presença. A pessoa que debatia com ele já tinha entrado na sala do grupo escolar onde votávamos. Comentei com Traça que pelo nível da discussão, ele deveria ter pensado muito antes de votar. Ele me respondeu que sim. Falou que apesar de ter defendido um candidato, votaria em outro só porque ele deu a uma prima dele um emprego de subsecretária na prefeitura há quatro anos e queria agradecê-lo por isso.
Tem pessoas que só vemos em funerais, festas de bairro e dia de eleições. E é melhor que seja assim.